7 de dezembro de 2014

Crónica Urbana

Museu do Barbeiro e Cabeleireiro, Lisboa: Barba? Cabelo? Dentes?

Entro no Centro Comercial Apolo 70, perto do Campo Pequeno, e desço até à cave. Passo pela loja dos animais, que conheço desde pequena, e pelo restaurante redondo onde se comiam generosos gelados com chantilly e que hoje oferece comida japonesa em tapete rolante, e chego ao que procurava: o Museu do Barbeiro e Cabeleireiro. Na porta, um aviso pede a quem desejar visitá-lo que se dirija ao Pinto’s Cabeleireiros, logo ali em frente.

São quase horas de almoço, mas Joaquim Pinto não hesita. “Claro que posso ir mostrar, é mesmo para isso que ele existe”, diz, sorrindo. Gosta muito de receber visitas — afinal foi para isso que durante 30 anos comprou e reuniu todos os objectos que encontrou que estivessem de alguma forma relacionados com a sua profissão.
Entramos. Ao fundo, sobre uma mesa, estão várias taças de louça. Joaquim Pinto pega numa delas e encaixa-a no braço, demonstrando como se fazia. “Era posto aqui, com um bisturi o barbeiro cortava a veia e fazia a sangria.” Recuámos, portanto, à época dos barbeiros-sangradores, quando quem fazia barbas e cortava cabelos arrancava também dentes e fazia sangrias quando era necessário.
Mas não se pense que se tratava de charlatães, apressa-se a esclarecer Joaquim Pinto, que só tem coisas boas a dizer da profissão. “No século XVI, esta profissão já tinha regimento próprio e era muito louvada porque eles faziam de tudo um bocadinho. Tinham de estar dois anos com os profissionais no Hospital de Todos os Santos e o cirurgião-mor é que lhes passava a carteira.” Apesar de não existirem os meios que existem hoje, “havia bons artistas a trabalhar”.
Mostra também uma caixa cheia de pequenas peças de metal de tamanhos diferentes: o “estojo portátil de limpeza de boca do barbeiro-dentista”. “As duas profissões foram oficialmente separadas a 3 de Julho de 1870. Nessa altura, quem quis ir para barbeiro foi, quem quis ir para dentista foi.” Ou seja… mais ou menos. Joaquim Pinto ainda se recorda de ver na sua terra, quando era pequeno, “um barbeiro que tirava dentes”.
Convida-nos a olhar para uma gravura onde duas mulheres com um ar divertido fazem a barba a homens que seguram os pratos de louça debaixo do queijo, encaixados no pescoço. “Hoje dizem que é muito moderno uma senhora trabalhar em cabeleireiros unissexo, e eu acho uma profissão muito bonita, mas há 400 anos as mulheres faziam barbas. Elas eram barbeiras quando o barbeiro, o marido, trabalhava noutro serviço, que eram geralmente as pequenas cirurgias.”
Entre as peças da colecção que o enchem de orgulho, estão “300 e tal navalhas de barbear”, muitas delas “modelos especiais”, com lâmina de aço e cabo de marfim. “Veja. É uma coisa linda”, diz. Abre um estojo de interior almofadado, onde repousam várias navalhas. “Antigamente, os senhores fulanos de tais tinham uma para cada dia da semana. Era uma questão de vaidade, porque elas até são iguais. Eu uso verniz de banana para não as deixar enferrujar”, explica.
Há pincéis e taças para fazer espuma para a barba, pequenos e elegantes frascos com borrifador para espalhar o sublimado (desinfectante), o álcool ou o perfume nos rostos dos homens depois de feita a barba. Há ferrinhos que eram aquecidos e usados para revirar as pontas dos bigodes dos homens e ondular os cabelos das senhoras. “Quando se inventou o penteado Marcel [as ondas no cabelo ao estilo da cantora e actriz Josephine Baker], apareceram estas lamparinas para aquecer os ferros.”
No museu de Joaquim Pinto pode ver-se “o primeiro modelo de secador de pé na corrente 110 volts”, uma espécie de mão em forma de aranha metalizada que encaixava nas cabeças libertando calor. E também uma máquina de fazer permanentes vinda dos anos 40, com os bigodis, usados para fazer o caracol, e presos com as molas que tinham estado a aquecer numa grande estrutura redonda. Ou uma grande colecção de lâminas de barbear Gillete, mais de cem modelos diferentes da peça criada pelo norte-americano King Camp Gillette no início do século XX.
E assim, em duas pequenas salas na cave do Apolo 70, percorremos a história de como, ao longo dos tempos, os homens e as mulheres foram lidando com as questões capilares — mais caracol, menos caracol, barba e bigode?, barba, bigode e dentes? A verdade é que há séculos que nos entregamos nas mãos dos barbeiros e dos cabeleireiros, confiando-lhes os nossos segredos, os nossos medos, as nossas dúvidas, os nossos dentes e, mais importante que tudo isso, os nossos penteados.



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